sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Origem Perdida



Abrindo meus arquivos perdidos e muitos deles que nunca haviam sido abertos, encontro não apenas fotografias e alguns rabiscos e sim uma enorme e gigantesca onda de lembranças de lugares e experiências vivenciadas fazendo com que aquele velho sopro em meu peito reapareça, um sopro capaz de motivá-lo e fazer com que coisas banais desapareçam, fazendo-me assim, neste exato momento sacar o velho e último projeto da "gaveta", chegar sobre duas rodas até Caracas na Venezuela.
Seria um excelente projeto à colocar em prática dentro de alguns meses o que de fato e muito provavelmente encerraria de vez minhas jornadas motociclísticas devido algumas questões importantes, entre elas, minha coluna que muito provavelmente não aceitará muitas agressões mais.
O mais audacioso dos projetos, que rasga o Brasil e a América do Sul ao meio passando pela Floresta Amazônica e em lugares sagrados como Machu Picchu Peru, retornando ao Chile seguindo pelo deserto do Atacama, deixando o Caribe muito próximo do horizonte, exatos doze mil quilômetros em uma única jornada, totalizando aproximadamente cinquenta e cinco mil quilômetros no continente sobre duas rodas.

O relato à seguir trata de uma das minhas impressões ao chegar na cidade de Bella Union Uruguay pela primeira vez em viagem de um mil e seiscentos quilômetros sobre duas rodas, registro feito à noite em um grande hotel completamente vazio na cidade brasileira de Barra do Quaraí em 20/07/2011.

"...Assim cheguei ao meu destino mais distante até então, metade da minha maior viagem de motocicleta, a tão sonhada Tríplice fronteira, uma das nove existentes no Brasil, de forma que ao entrar pela principal via da pequena cidade de Bella Union um grupo de quase dez crianças colocaram-se a correr atrás da moto fazendo uma enorme festa, acenando, estavam de pés descalços, saíram das margens da via, pude perceber que eram bastante humildes, algumas trajavam bermudas mesmo com o frio que fazia, cerca de sete graus de temperatura, reduzi a velocidade olhando no retrovisor e elas me acompanharam até minha parada em um Free shop próximo. 
Conversamos um pouco assim que parei a moto, uma dúzia de perguntas por instante eram jogadas em minha direção, perguntas principalmente de onde eu era, e onde ficava esse lugar, que moto era aquela, para onde eu estava indo, se era longe, assim que pude, também direcionava minhas perguntas aquelas crianças simples com o mesmo tom de curiosidade delas, entretanto não com a mesma felicidade, assim, conseguimos de fato superar a barreira do idioma e nos entendermos precisamente."

El Loco Viajero em "Meus Relatos de Viagem"

Ao que pude perceber eram crianças que não estavam frequentando a escola e muito provavelmente tão logo cresçam mais, serão angariadas para um trabalho extremamente pesado, que é o cultivo da cana de açúcar, basicamente o que sustenta a ecônomia da cidade de Bella Union. 
Após pesquisa descobri ser a cidade mais pobre do Uruguai, pesquisa esta que foi realizada após a viagem, percebendo que o lugar era demasiadamente pobre com casas bastante humildes, os poucos carros desmanchavam-se debaixo de uma grossa camada de ferrugem e muitas mobiletes de marca chinesa vagando pelas ruas.
Pela primeira vez as lágrimas escorreram escondidas dentro do capacete, em que a maior lição que retirei daquela cidade foi ver a felicidade e alegria brotando diretamente de uma vida de privações de todo tipo, de conforto, comodidade, conhecimento e de futuro, e que ali até mesmo aquilo que consideramos como o básico, o minimo aceitável, não existia. 

"O meu defeito não são as paixões que tenho, mas a minha falta de controle sobre elas." Jack Kerouac.






























Aqui estão os loucos. Os desajustados. Os rebeldes. Os criadores de caso. Os pinos redondos nos buracos quadrados. Aqueles que vêem as coisas de forma diferente. Eles não curtem regras. E não respeitam o status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou caluniá-los. Mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los. Porque eles mudam as coisas. Empurram a raça humana para a frente. E, enquanto alguns os vêem como loucos, nós os vemos como geniais. Porque as pessoas loucas o bastante para acreditar que podem mudar o mundo, são as que o mudam.

Jack Kerouac em "On the road"


" A vida do aventureiro é como a gota do orvalho que, mesmo morrendo todos os dias renasce todas as manhãs. " Gaia em "Minha Moto, Eu e a América"

Próximo de uma longa lista de leitura, Minha Moto, Eu e a América de Miragaia René Angelino que possui ao longo da vida mais de dois milhões de quilômetros percorridos por quarenta países em sua moto.
Alguma dúvida sobre o titulo de AVENTUREIRO?



quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Fotografando Porta a Fora " Parte 1"


Como andarilho, ou de motocicleta, automóvel, ônibus, parto do principio da observação, não possuo interesse no turismo propriamente dito mas sim na aventura e o fato de poder registrar algo diferente seja onde for.
A diferença entre o aventureiro e o turista é o fato de que o primeiro se arrisca, todo aventureiro de certo modo é um turista mas nem todo turista necessariamente é um aventureiro.
Minha busca é geralmente marcada pelo isolamento, assim, tornando mais fácil principalmente a interação com a natureza.
Com os sentidos apurados observo que lugares onde a maioria das pessoas desprezariam dizendo não haver coisa alguma é de fato o lugar em que a vida, à verdadeira, acontece diante dos olhos, sem hesitar sua presença sem temer ao homem.
A sensação de unicamente você no mundo inteiro num instante curto ser premiado com uma visão que não se repetira e apenas você presencia é algo estonteante, automaticamente viciante sendo assim, a procura torna-se constante e implacável por momentos como estes.
O relato à seguir ocorreu em uma de minhas "expedições fotográficas" na belíssima e natural cidade de Imbituba-SC.

"... Depois de vinte e cinco quilômetros de caminhada passando por lugares isolados encontrei uma espécie de pequeno lago que desemboca no mar, distante alguns quilômetros do bairro Vila Nova o mais próximo.
Observei já dos trilhos que muitas espécies de aves alimentavam-se neste lugar, ao longe, contei cinco espécies diferentes, decisão acertada em arriscar fotografar neste local, mesmo com o difícil acesso através das dunas e mata atlântica densa.
Contabilizadas com cuidado, quatorze tipos vivem ali em uma harmonia invejável alimentando-se descansando e se reproduzindo naquele ambiente, entre as espécies estão Pica-Paus, Garças, Maçaricos, Gaivotas, Urubus de cabeça vermelha entre outros, sendo que alguns não identifiquei os nomes das espécies.
Após quase duas horas fotografando com cuidado uma a uma das aves, alternando os joelhos molhados às margens do lago, sinto uma presença que veio por detrás e repentinamente pousou ao meu lado, um grande susto, pois uma garça de grande porte estava exatamente ao meu lado, tão próximo que se esticasse o braço quase poderia tocá-la, fiquei espantado pelo motivo que pássaros não costumam sob nenhuma hipótese aproximar-se, mas ali estava ela, com um branco lindíssimo que nem mesmo as mais novas de minhas camisetas brancas igualava-se.
Assim postada ao meu lado pensei de imediato fotografá-la , que grande oportunidade, entretanto utilizando no momento uma tele-objetiva de 70-300, f 4 de foco manual para encurtar as distâncias não consegui enquadramento devido a proximidade que estávamos um do outro, assim, me contentei em apenas apreciar um momento único, em que um pássaro selvagem admirava um lindo habitat junto à mim.
Em um certo instante ela abriu suas asas parcialmente, mostrando-me o tamanho possível de sua envergadura e como se estivesse dando-me boas vindas aquela terra prometida de beleza e pluralidades, um olhar e com uma batida leve de asas, alçou vôo, fazendo-me sentir o deslocar do ar, sumindo em meio a mata.

El Loco Viajero em "Meus Relatos de Viagem"    

"... No meio de uma chuva mansa, tomado por pensamentos, de súbito senti uma companhia tão doce e benéfica na natureza, no próprio tamborilar das gotas de chuva, em cada som e cada imagem ao redor da minha casa, uma amistosidade infinda e inexplicável, tudo ao mesmo tempo, como uma atmosfera me sustentando que as imaginadas vantagens da proximidade humana se tornaram insignificantes, e desde então nunca mais pensei nelas. Tive uma percepção tão clara da presença de uma afinidade, mesmo em cenários que costumamos considerar tristes e ermos e que também o mais aparentado de sangue e mais próximo de mim não era uma pessoa nem um morador da cidade, que achei que jamais voltaria a estranhar lugar algum."
  
H. D. Thoreau em " Walden"










Sim, sou um simples viajante, um andarilho que percorre a terra. E vocês o que são?
 J.W. Goethe


Dois anos, dois meses e dois dias, foi o tempo que Henry David Thoreau ensaísta, poeta e filósofo transcendentalista permaneceu vivendo isoladamente no lago Walden em 1845, desgostoso com os rumos que a sociedade tomava, preferiu viver apartado da mesma.
Os relatos de sua experiência foram publicados primeiramente em 1854 com o título de A vida nos bosques em que o próprio Thoreau supria suas necessidades, além de estudar sempre contemplando a natureza e conhecendo à si mesmo.
Sua maneira de ver o mundo e a si mesmo nunca mais seriam iguais, influenciando grandes nomes da cultura literária como Ralph Waldo Emerson e até mesmo posteriormente os autores Beat da contra cultura do século XX, como Jack Kerouac além de figuras revolucionárias como Ghandi e Marthin Luther King.



sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Rumo Definido



Carregar a alma sobre duas rodas nem de longe é uma tarefa simples, preciso salientar que da observação interior nasce um novo espirito, recheado, principalmente pela busca e pela aventura.
Justamente na estrada minha velha e cansada alma se despedaçou, parte por parte, de forma a não mais restar um só resquício do que fui, encontrando o caminho para dispor absolutamente tudo, despir-me de tudo, conceitos ideais, ideias, pré-conceitos, definições, afirmações, sendo necessário para isso sair sempre com o coração aberto.
Quantos de nós estariam dispostos verdadeiramente colocar abaixo determinados conceitos pelo qual defendemos e lutamos por toda nossa vida? Quem verdadeiramente estará disposto a colocar um ponto final e recomeçar absolutamente do zero? Teríamos a coragem de confrontar-nos com uma nova existência diferente de tudo que sabemos, que defendemos e imaginamos ser o correto, e do caminho supostamente mais adequado?
Sem à pútrida interferência "poluição" imposta pelo homem ao homem sendo que o único caminho para descobrir-se é o isolamento total e absoluto, assim entrando em contato com seu "EU" verdadeiro sendo que o que mais causa ansiedade talvez seja o fato de descobrir o que, ou quem você realmente é, e se será agradável essa descoberta, quase sempre é lamentável a descoberta de quem você foi.
Pablo Neruda diz:

"Algum dia, em qualquer parte, em qualquer lugar, indefectivelmente, encontrar-te-ás a ti mesmo e essa, só essa, pode ser a mais feliz ou a mais amarga das tuas horas."

Esta no entanto, foi uma das verdades mais avaçaladoras em que me deparei apenas precisando entender para qual lado a balança penderia mais.
Não desejo ser prolixo e espero de fato fazer-me entender em determinados momentos, entretanto o relato que seguirá aconteceu em minha volta de São Paulo - SP para Porto Alegre - RS no trecho final da viagem, depois de praticamente 2,300 quilômetros percorridos com uma costela quebrada, em que, após uma queda antes da viagem com minha CB 450cc ano 90 próximo de casa alguns dias antes me fez viajar em um estado físico bastante comprometido.
Havia passado pela cidade de Laguna - SC onde soube que durante aquele fim de semana ocorrera um grande encontro de motociclistas, com shows e muitas atividades, fui visualizando muitos destes que participaram pela estrada chegando então em um paradouro, o Posto 86, já no estado do RS.
Chegando ao paradouro era impossível contar quantas motocicletas estavam paradas lá todas oriundas deste evento na cidade de Laguna, larguei a moto em um canto separado e com dificuldade desci procurando esticar o corpo, naquele momento a cada batimento cardíaco a costela quebrada mostrava que ainda estava ali.
Aproxima-se um rapaz que desprendia-se de seu grupo, em minha direção, indagando-me:
- Ótimo o encontro não?
- Pois é.
- Legal. E a "motinho" aguentou ida e volta foi?

Naquele instante de deboche em que fez uma afirmação em parte pergunta, uma fúria repentina tomou meus olhos após tudo que havia passado para chegar à SP tudo que passei lá além da volta, distância, costela quebrada, frio (mês de agosto), então respondi:

- Aguentou sim, muito bem, mas eu não estava em Laguna.
- Ah é. Está vindo de onde? (com um belo sorriso no rosto quase que como se estivesse confirmando sua previsão de impossibilidade que eu estivesse fazendo uma viagem de 690 quilômetros)
- Estou voltando de SP. Respondi.
- SOZINHO?
- Evidente. Não preciso de mais ninguém, para falar a verdade, poucos me acompanhariam. Afinal não significa o quão rápido pode ir mas sim quanto sofrimento você conseguirá suportar principalmente em lugares onde o dinheiro não possuí valor.
- Difícil existir lugar assim não? (Já com um sorriso constrangido)
- Para muitas pessoas, a maioria, sim, não existe.

El Loco Viajero em "Meus Relatos de Viagem"

Embora um relato bastante simples como esse possa parecer insignificante aos olhos de quem acaba de ler, particularmente considero um dos fatos mais importantes e que definiria até então os rumos de como eu percorreria os mais de 30 mil quilômetros adiantes, devido ao fato de que ainda mesmo que em breves instantes pensava em participar de algum grupo ou moto clube, mas depois de observar que nada havia de trocas para ser feito e que havia muito pouco ou praticamente nada em comum, à partir daquele momento, essa ideia simplesmente desapareceria de vez de meus pensamentos.
Acrescento que o rapaz no qual surgiu este dialogo, montava uma Hayabusa 1300cc passando-se por uma caricatura muito mal feita de piloto de fim de semana, de espírito e coerência inexistentes e superficialidades surpreendentes, me fazendo pensar no instante em que retornava para estrada em um apelido bastante apropriado para essa espécie de motociclistas, "Mosca Varejeira", pois pilotam rápido com pouca  ou nenhuma habilidade, são coloridos por natureza, e possuem vida curta nas estradas, além de serem repugnantes.

“ E me arrastei como tenho feito por toda minha vida... Indo atrás de pessoas que me interessam... Porque os únicos que me interessam são os loucos; os que estão loucos para viver, loucos para falar, que desejam tudo ao mesmo tempo e nunca bocejam ou dizem obviedades, mas queimam, queimam, queimam como fogos de artifício pela noite.”

Jack Kerouac, em "On the Road". 











(Foto 1: Trilha para chegar até o farol Capão da Marca de Fora, Lagoa dos Patos-RS), (Foto 2: Interior do Rio Grande do Sul divisa com o Uruguai, localidade indefinida), (Foto 3: Ponte para trilha dos Canions Itaimbézinho-Cambará do Sul-RS), (Foto 4: Entre Tavares e Mostardas trilha para chegar até a beira da praia isolada, local inexistente), (Foto 5: Farol da Solidão-RS 70 quilômetros de praia deserta, local indefinido), (Foto 6: Região de São Francisco de Paula serra gaúcha, Campos de Cima da Serra), (Foto 7: Lagoa do Peixe-RS sem lembranças), (Foto 8: Molhes de Rio Grande-RS sobre pedras; 4 quilômetros dentro do oceano Atlântico), (Foto 9: Trilha Morro do Farol Ponta do Catalão-SC), (Foto 10: Interior do Uruguai, Tríplice Fronteira; Brasil Uruguai Argentina).



Em se tratando de leitura, um dos melhores livros de aventura que tive a oportunidade de ler nos últimos tempos, Descobridores do Infinito aborda assuntos "proibidos" dos aventureiros e esportistas radicais das mais diversas atividades desde montanhistas, navegadores, alpinistas, pilotos, surfistas de ondas gigantes, praticantes de snowboard, praticantes de basejump, entre outras atividades, falando brevemente de relatos inclusive das grandes explorações Antárticas de 1911.
Este livro recheado de espirito de aventura trata também de temas delicados como o enfrentamento do pior dos medos, a morte, além das crenças e da fé e as motivações destes aventureiros, o que cada um procura encontrar quando aventuram-se em suas atividades.
Ainda salientando que a autora e alpinista Maria Coffey foi a primeira mulher americana a chegar no topo do Everest.
Nas próximas postagens seguirei abrindo minha biblioteca particular e colocando aqui minhas impressões.